
É no mínimo insólito que alguém dedique
tempo e energia para refletir sobre algo cuja realidade a mente procura
armazenar em um ambiente o mais obscuro possível. Numa sociedade de luz, de
cores, de muitos e intensos rumores, onde o mito do sucesso, do bem-estar e a
filosofia da imagem se tornaram hegemônicos, não existe espaço para a reflexão
sobre a morte. Esta é apenas um fato inevitável sim, mas desesperadamente
inaceitável. Mesmo quando é exigida como um direito – como é o caso das lutas
pelo direito à eutanásia -, se observamos atentamente, o é por temor da mesma,
de sua imprevisibilidade. Teme-se o descontrole, a impotência diante da morte e
se pede não a morte mas a capacidade de decidir sobre ela e libertar-se da
angústia de sua certeza e da imprecisa ciência de sua chegada.

Estamos acostumados em nosso tempo a dar
explicações racionais detalhadas sobre todos os fenômenos da vida, à morte,
contudo, apesar das tentativas de decifrá-la, permanece sempre o limite de sua
total ausência de significado racional: se nos apresenta insana a ideia do
morrer. Quando nos referimos à morte nos vem imediatamente em mente o vazio que
ela cria, de modo que a esta se faz presente ao nos confrontar com a ausência
de quem amamos, de seu afeto, histórias, tom de voz, significados, etc. Como
encontrar sentido para esta total e definitiva ausência dos seres amados e até
de nós mesmos?

A fé cristã nos convida a perceber a
morte como um mistério a ser contemplado à luz do Mistério de Cristo, de fato,
morrer para o cristão significa incorporar-se plenamente e definitivamente a
Cristo e por isso mesmo pode dizer com S. Paulo: “Para mim viver é Cristo e
morrer é lucro” (Fl 1,21). No batismo somos já imersos na morte de Cristo para
participarmos de sua Vida imortal. Deste modo, é o amor de Cristo a nos dar o
sentido da morte, não nas categorias da ciência moderna, experimental, mas como
mistério a ser contemplado tal qual o seu amor testemunhado eloquentemente em
sua morte de cruz. Afinal, como afirmava o escritor alemão Thomas Mann, “é o
amor, não a razão, que é mais forte que a morte”.

Neste dia cheio de saudades, de memórias
e lágrimas, curvemo-nos diante do mistério da morte para contemplar a vitória
de Cristo na vida de cada um daqueles que foram tocados por sua vitória na
Cruz. A morte não nos deve ferir ou amedrontar se nos refugiarmos no amor de
Cristo que é O Vivente. A saudade de quem amamos é “óleo de presença” lançado em
nossas chagas de ausência, para que a suavidade das lembranças nos nutra a
esperança do reencontro definitivo em Deus. Proclamemos com S. Inácio de
Antioquia: “há em mim uma água viva que murmura e que diz dentro de mim: Vem
para o Pai”. Longe, pois, de ser ausência de sentido, a morte em Cristo lança
sobre a vida o seu significado mais profundo e sustenta toda a existência como
sendo edifício construído sobre o alicerce do amor
e que, paradoxalmente, se realiza à medida em
que se doa e se gasta como a chama crepitante no altar de Deus. “Louvado
sejais, meu Senhor, por nossa irmã, a morte corporal, da qual homem algum pode
escapar. (...) felizes aqueles que ela encontrar conforme a vossa santíssima
vontade, pois a segunda morte não lhes fará mal” (S. Francisco de Assis). O Senhor
enxugue as lágrimas de todos os corações saudosos com o “lenço” bendito da
Esperança e acolha a todos os nossos irmãos falecidos com o abraço regenerador
de sua infinita e insondável Misericórdia.
Pe. Edson Bantim