quarta-feira, 2 de novembro de 2016

O mistério da morte no mistério de Cristo

É no mínimo insólito que alguém dedique tempo e energia para refletir sobre algo cuja realidade a mente procura armazenar em um ambiente o mais obscuro possível. Numa sociedade de luz, de cores, de muitos e intensos rumores, onde o mito do sucesso, do bem-estar e a filosofia da imagem se tornaram hegemônicos, não existe espaço para a reflexão sobre a morte. Esta é apenas um fato inevitável sim, mas desesperadamente inaceitável. Mesmo quando é exigida como um direito – como é o caso das lutas pelo direito à eutanásia -, se observamos atentamente, o é por temor da mesma, de sua imprevisibilidade. Teme-se o descontrole, a impotência diante da morte e se pede não a morte mas a capacidade de decidir sobre ela e libertar-se da angústia de sua certeza e da imprecisa ciência de sua chegada.
Estamos acostumados em nosso tempo a dar explicações racionais detalhadas sobre todos os fenômenos da vida, à morte, contudo, apesar das tentativas de decifrá-la, permanece sempre o limite de sua total ausência de significado racional: se nos apresenta insana a ideia do morrer. Quando nos referimos à morte nos vem imediatamente em mente o vazio que ela cria, de modo que a esta se faz presente ao nos confrontar com a ausência de quem amamos, de seu afeto, histórias, tom de voz, significados, etc. Como encontrar sentido para esta total e definitiva ausência dos seres amados e até de nós mesmos?
A fé cristã nos convida a perceber a morte como um mistério a ser contemplado à luz do Mistério de Cristo, de fato, morrer para o cristão significa incorporar-se plenamente e definitivamente a Cristo e por isso mesmo pode dizer com S. Paulo: “Para mim viver é Cristo e morrer é lucro” (Fl 1,21). No batismo somos já imersos na morte de Cristo para participarmos de sua Vida imortal. Deste modo, é o amor de Cristo a nos dar o sentido da morte, não nas categorias da ciência moderna, experimental, mas como mistério a ser contemplado tal qual o seu amor testemunhado eloquentemente em sua morte de cruz. Afinal, como afirmava o escritor alemão Thomas Mann, “é o amor, não a razão, que é mais forte que a morte”.
Neste dia cheio de saudades, de memórias e lágrimas, curvemo-nos diante do mistério da morte para contemplar a vitória de Cristo na vida de cada um daqueles que foram tocados por sua vitória na Cruz. A morte não nos deve ferir ou amedrontar se nos refugiarmos no amor de Cristo que é O Vivente. A saudade de quem amamos é “óleo de presença” lançado em nossas chagas de ausência, para que a suavidade das lembranças nos nutra a esperança do reencontro definitivo em Deus. Proclamemos com S. Inácio de Antioquia: “há em mim uma água viva que murmura e que diz dentro de mim: Vem para o Pai”. Longe, pois, de ser ausência de sentido, a morte em Cristo lança sobre a vida o seu significado mais profundo e sustenta toda a existência como sendo edifício construído sobre o alicerce do amor  e que, paradoxalmente, se realiza à medida em que se doa e se gasta como a chama crepitante no altar de Deus. “Louvado sejais, meu Senhor, por nossa irmã, a morte corporal, da qual homem algum pode escapar. (...) felizes aqueles que ela encontrar conforme a vossa santíssima vontade, pois a segunda morte não lhes fará mal” (S. Francisco de Assis). O Senhor enxugue as lágrimas de todos os corações saudosos com o “lenço” bendito da Esperança e acolha a todos os nossos irmãos falecidos com o abraço regenerador de sua infinita e insondável Misericórdia.
Pe. Edson Bantim