“Voltai para mim de todo o vosso coração (Jl 2,12)”
Iniciamos a quaresma com este convite do Senhor, feito-nos através
do profeta Joel. O tempo quaresmal é, portanto, um tempo de retorno, um tempo
de retomada da própria vida, da retomada de nossa condição de filhos e filhas
de Deus. Um retorno à nossa condição Humana primordial. Tal processo, contudo,
exige de nós um longo percurso de travessia, onde intensos e dolorosos combates
necessitam ser travados. Batalhas contra inimigos externos e internos a nós. O
nosso tempo está repleto de sinais de desumanidade. O pecado, que rouba o
ser-humano de si mesmo e o faz escravo de sua própria arrogância, necessita ser
combatido a partir de dentro. A transformação que queremos e que necessitamos
começa com o “cair em si” de cada pessoa humana. A violência, a corrupção, a
manipulação de populações inteiras e a dizimação de raças e nações são sinais
do escândalo de nossa prepotência.
No centro do livro do Êxodo (que é o horizonte mistagógico da
quaresma cristã), no capítulo 20 (o Êxodo tem 40 capítulos) no versículo 13 (o
cap. 20 tem 26 versículos), está o mandamento «Não matarás». No coração da
mensagem que Deus quis que o seu povo aprendesse ao longo do deserto está
portanto o valor absoluto da vida. «Escolhe, pois a vida» (Dt 30,19). O povo de
Deus experimentara duramente um poder de morte. Teve seus filhos arrancados de
si e assassinados; teve sua liberdade cerceada; teve sua fé constrangida. Sobre
a morte tudo aprendera. Deus quisera, pois, que aprendessem sobre a Vida. A
quaresma é, portanto, tempo de escolher a Verdadeira Vida, que se revela em
Jesus Cristo. Não se trata de opções políticas superficiais ou de compromissos
com poderes deste mundo ou adesão a ideologias pseudo-pacifistas. Trata-se de
assimilar e assumir a Verdade que é Cristo e fazer dele o Caminho cujo fim é a plenitude da Vida.
Trata-se de partir de Cristo para n’Ele realizarmo-nos como verdadeiros Humanos.
Por Cristo (Verdade), com Cristo (Caminho) para chegarmos em Cristo (Vida).

Porém, não se pode chegar à meta se não se sabe de onde se parte. Se
vivemos alheios ao mundo que nos circunda e ao nosso mundo interior, nunca
saberemos o que precisamos abandonar, que mares devemos atravessar, que deserto
é preciso superar para chegarmos à conquista de nossa liberdade. Por isso a
quaresma é tempo de discernimento, de contemplação, de revisão de vida e, só
depois, de conversão e de Vida nova. Não se chega à Páscoa sem passar pela
travessia quaresmal.
Já nos encontramos à metade do caminho. Falta pouco para chegarmos à
Terra sagrada de nossa natureza redimida em Cristo. Não percamos tempo. É
urgente a nossa conversão. Escolhe, pois, viver. Acolhe, pois, a Vida e faz
viver a ti e a todos os teus semelhantes. Na escuridão do mundo, sê o farol. No
desespero e no dissabor, sê sal. Gasta-te para ganhar-te. Doa-te e tudo serás
em Cristo Jesus. O Senhor nos conduza nestes tempos tão difíceis e nossos
corações permaneçam com suas raízes fincadas no Coração misericordioso de Jesus,
o Vivente.
Pe. Edson Bantim
06.03.2018